Um brado por perdão
Lucas 23.34
“Como perdoá-lo se não posso confiar nele?", perguntava uma mulher (que conheci em um cruzeiro pelo Caribe), falando sobre o marido. Não era a primeira vez que a enganara nem a segunda, mas a terceira. Agora ele voltava, pedindo-lhe novamente perdão. Sendo honesto ao confessar o que fizera, ele esperava que o perdão fosse imediato, incondicional e completo. Afinal, a esposa era cristã!
O perdão soa maravilhosamente aos ouvidos, até que tenhamos de perdoar. Como perdoar alguém que continua quebrando as promessas? Por que perdoar alguém que não pede o perdão? E por que deveria ser você a perdoar, quando você foi o ofendido? Deve você perdoar alguém determinado a destruí-lo?
Talvez não haja lugar semelhante à cruz, em que nossas dúvidas sobre o perdão são respondidas com tamanha clareza. O primeiro brado do Salvador foi por perdão para os inimigos.
"Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo" (Lc 23.34).
Durante seu ministério, Jesus freqüentemente perdoava os que necessitavam de misericórdia. "Filho, os seus pecados estão perdoados", disse Jesus ao paralítico (Mc 2.5). Suas declarações causavam uma avalanche de controvérsias, pois seus ouvintes sabiam que somente Deus podia perdoar pecados. Até mesmo o pecado cometido contra o semelhante é, em última análise, pecado contra Deus. Jesus explicou que possuía autoridade para perdoar pecados, porque detinha credenciais de divindade.
Na cruz, porém, não exerceu essa prerrogativa divina, mas pediu ao Pai que fizesse o que ele, Jesus, havia feito anteriormente. Sacrificado como o Cordeiro de Deus, recusou-se a assumir o papel de divindade. Ele, sem dúvida, era Deus, mas escolheu suspender seus direitos divinos. Identificou-se tão completamente conosco que, temporariamente, abriu mão de sua posição de autoridade. Ainda assim, seu coração preocupava-se com os que haviam instigado e cometido o maior crime da história. Ele orou para que o imperdoável fosse perdoado.
Em seu primeiro brado na cruz, Jesus chamou Deus de "Pai". E o faria novamente em seu último suspiro: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23.46). Mas, em meio à agonia, bradou: "Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?" (Mc 15.34; grifo do autor). Como veremos mais adiante, foi esse seu momento mais sombrio, tão sombrio que teve repercussões até na natureza, quando a luz do Sol foi interrompida. Naquele momento, o Filho sentiu em si todo o castigo de nossos pecados, e até mesmo o Pai retirou dele sua abençoada presença.
Ele podia chamar Deus de "Pai" enquanto era tratado injustamente. Quando a multidão chegou ao lugar chamado "Caveira" (Lc 23.33), a cruz foi deitada no chão, e ele foi posto sobre ela. Foi nesse momento que começou a oração. O texto grego registra que ele ficou repetindo: "Pai, perdoa-lhes..." (Lc 23.34). Embora preso injustamente e tendo sofrido danos pessoais, ele sabia que podia contar com a presença e as bênçãos do Pai. Também sabia que a oração pelos inimigos seria ouvida.
Todos os discípulos o abandonaram (com exceção de João, que mais tarde voltou à cena do crime). As injustiças dos inimigos e a traição dos amigos não abalaram a confiança que tinha na presença do Pai. Ele sabia que o Pai poderia tê-lo poupado daquela injustiça. Aliás, sendo a segunda pessoa da Trindade, podia ter escolhido descer da cruz. Mas se salvar dessa maneira não fazia parte dos planos firmados na eternidade. Sendo assim, ficou satisfeito em dizer "Pai", apesar de seus direitos pessoais terem sido insolentemente ignorados e de insultos terem sido proferidos contra ele. Esses sofrimentos não ocultaram a face daquele a quem ele queria agradar.
Warren Wiersbe, pastor da Moody Church, perguntava: "Sua fé é abalada pela perversidade dos pecadores ou pela fraqueza dos santos?". Sim, algumas vezes nossa fé é abalada. Uma mulher cujo marido havia tentado destruí-la, colocando os quatro filhos contra ela, disse: "De forma alguma vejo Deus [...] ele não está em parte alguma nesta situação". Podemos nos identificar com ela, pois todos nós sentimos, em determinados momentos, que fomos abandonados por Deus. Dizemos a nós mesmos que pai algum seria mero espectador enquanto o filho estivesse sofrendo injustamente. Mas o Pai de Jesus Cristo ficou firme ao presenciar a mais absoluta perversidade. Cristo sabia que podia confiar no Pai, mesmo quando a maldade parecesse fora de controle.
Quando o homem deu o pior de si, Jesus orou, não por justiça, mas por misericórdia. Implorou para que seus inimigos não sofressem as conseqüências dos próprios atos de maldade. E orou, não após suas feridas terem sarado, mas enquanto estavam sendo abertas. Palavras de perdão saíam de seus lábios enquanto os pregos eram cravados em seu corpo, quando a dor era mais intensa, quando a aflição era mais aguda. Ele orou enquanto a cruz era baixada no buraco com um tranco. Foi nesse momento, em que os nervos ainda estavam extremamente sensíveis e a dor era inconcebível, que ele, vítima do maior crime da história, orou pelos criminosos.
Ele podia perdoar porque estava tratando dos assuntos de seu Pai. No Getsêmani, ele orou: "Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres" (Mt 26.39). Não se tratava de uma investida de Satanás, embora este tivesse tentado adicionar alguns ingredientes na poção. O cálice havia sido entregue a Jesus pelo seu Pai e consistia na tarefa de comprar "para Deus gente de toda tribo, língua, povo e nação" (Ap 5.9). Isso significava que o Filho seria cruelmente crucificado e se tornaria "pecado" por toda a humanidade. Ele sorveria do cálice do sofrimento até o fim. O cálice compraria o perdão para aqueles por quem ele agora orava.
Será que podemos dizer "Pai" enquanto estamos sendo crucificados? Será que podemos orar pelo perdão dos que estão tentando nos destruir? Será que temos fé suficiente para deixar o juízo nas mãos de nosso Pai celestial? 'Amados, nunca procurem vingar-se, mas
deixem com Deus a ira, pois está escrito: 'Minha é a vingança; eu retribuirei, diz o Senhor" (Rm 12.19). Na cruz, vemos o autocontrole do Homem que tinha o poder de destruir, mas, em vez disso, optou pelo perdão. Nessas palavras, está a esperança de nossa salvação. Então, acheguemo-nos para escutar mais atentamente o que está sendo dito. Talvez escutemos nosso nome sendo mencionado na súplica.
Uma súplica por perdão
Cercado pelo escárnio e enfraquecido pela perda de sangue, seus lábios apenas se moviam. O que ele estava tentando dizer? Estaria gemendo de dor? Estaria murmurando palavras de autocomiseração? Ou estaria amaldiçoando os que o crucificaram? Não, ele tinha uma palavra de perdão para seus inimigos: "Pai, perdoa-lhes...". Apesar de ser pessoalmente puro, ele foi "contado entre os transgressores" (Is 53.12). )á naquele momento, ele estava levando sobre si os pecados destes e implorando que seu sacrifício também pudesse ser aplicado a eles. Até mesmo isso foi cumprimento de profecia: "Ele levou o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu" (Is 53.12). Ele orou em voz alta para que soubéssemos que estávamos incluídos na oração. Já na noite anterior, no jardim do Getsêmani, ele se lembrara de nós:
Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste (]o 17.20,21).
A oração iniciada naquela noite continuou na cruz, e ainda hoje ele se encontra à direita do Pai, intercedendo por nós. Esteja certo de que ele nunca se esquecerá de nós.
Ele consigo leva cinco feridas que sangram
Recebidas no Calvário.
Delas se derramam eficazes orações
Que imploram veementemente por mim.
"Perdoa-lhe, oh, perdoa-lhe", elas clamam,
"Tampouco deixa este pecador resgatado morrer!"3
Passemos à frase seguinte da oração: "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo" (Lc 23.34). Eles ignoravam o delito que estavam cometendo? É lógico que não! Judas sabia que havia traído o amigo; Pilatos sabia que havia condenado um homem inocente; o Sinédrio sabia que havia subornado testemunhas falsas para sustentar as acusações. Nenhum deles ignorava os crimes dos quais eram culpados, mas ignoravam a monstruosidade de seus crimes. Por alguma razão, não sabiam que estavam crucificando o Filho de Deus.
Paulo, o apóstolo, concordou. Ele disse que o conhecimento estava oculto para nós e acrescentou: "Nenhum dos poderosos desta era o entendeu, pois, se o tivessem entendido, não teriam crucificado o Senhor da glória" (1Co 2.8). Se eles soubessem o que agora está claro, teriam reconhecido Jesus como o Messias, o Senhor da glória. O crime deles era muito maior do que poderiam imaginar, devido ao valor infinito daquele a quem condenaram. Estavam conscientes do que haviam feito, mas não de tudo que haviam feito.
O Antigo Testamento diferencia o pecado cometido na ignorância do delito cometido deliberadamente. "Todo aquele que pecar com atitude desafiadora [...] insulta o Senhor, e será eliminado do meio do seu povo" (Nm 15.30). O tal pecado de natureza é especialmente perverso, pois, cometido conscientemente, é voluntário e subversivo. Jesus falou de um pecado imperdoável, cometido pela nação de Israel na rejeição persistente e deliberada ao Messias. Obviamente, havia diversos graus de responsabilidade, visto que o povo possuía variados níveis de conhecimento. Para alguns, a rejeição a Cristo foi uma desobediência voluntária.
Compare isso com o pecado cometido na ignorância: "Quando alguém cometer um erro, pecando sem intenção [...] trará ao Senhor um carneiro do rebanho..." (Lv 5.15). Pecados dessa natureza necessitavam de sacrifício, mas não eram tão sérios quanto a desobediência premeditada e desafiadora. Mesmo na época do Antigo Testamento, Deus avaliava o comportamento humano pela postura do coração e pelo nível de conhecimento.
Não nos esqueçamos do fato de que até mesmo os pecados cometidos na ignorância precisam de perdão. Jesus não disse: "Eles não sabem o que estão fazendo, por isso deixe-os ir em paz". Deus jamais rebaixa seus padrões de justiça ao nível de nossa ignorância. Os pecados cometidos na ignorância, ainda assim, são pecados. A culpa dos que crucificaram a Jesus era real e objetiva, a despeito de quanto a compreendessem.
Você alguma vez avançou o sinal vermelho "por ignorância"? Um amigo meu discutiu com um policial, tentando provar que não havia notado que o sinal estava vermelho. Você pode adivinhar quem venceu a discussão. A ignorância não é desculpa em nossa sociedade e também não é desculpa na presença de Deus. Além do mais, os que crucificaram a Jesus deveriam saber disso — e saberiam, se não tivessem medo da verdade.
Compare o conhecimento deles com o nosso. Eles não sabiam que a ressurreição de Jesus se seguiria à crucificação; não sabiam que a igreja que transformaria o mundo se originaria no Pentecoste; não sabiam que seria escrito o Novo Testamento, o qual explicaria claramente e, em detalhes, os planos de Deus para as eras vindouras. Freqüentemente, perguntam-me se os que pertencem a outra religião e jamais ouviram falar de Cristo serão salvos. Normalmente, essa pergunta é formulada por pessoas que possuem bons conhecimentos acerca de Cristo e podem avaliar suas qualificações. Parecem estar mais preocupadas com os que jamais ouviram falar dele que com a própria resposta com relação a Deus. Mas se a responsabilidade é baseada no conhecimento, os que nasceram em nossa cultura passarão por uma condenação muito maior que os que nunca ouviram falar de Cristo.
Certamente, o pecado demonstra nossa ignorância. Não temos idéia da grandeza de nosso pecado porque não compreendemos a grandeza de nosso Deus. Mas, hoje em dia, temos menos desculpas que em qualquer outra época. Não temos nenhuma razão para dar as costas ao Salvador, que nos deixou testemunhos óbvios de sua autenticidade.
Se a mensagem transmitida por anjos provou a sua firmeza, e toda transgressão e desobediência recebeu a devida punição, como escaparemos, se negligenciarmos tão grande salvação? [...] Deus também deu testemunho dela por meio de sinais, maravilhas, diversos milagres e dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com a sua vontade" (Hb 2.2-4).
Conheci um jovem que, audaciosamente, optou por rejeitar a Jesus. Ele fora criado em uma boa família cristã e havia freqüentado escolas cristãs. A culpa dele é maior que a de seu melhor amigo na faculdade, que cresceu sem pais cristãos, sem igreja e sem modelo moral. Ambos são culpados, ambos estão cheios de motivos para buscar a Cristo e ambos estão desprezando a salvação, mas com diferentes níveis de responsabilidade. Arthur Pink escreveu que pessoas assim estão "cegas para a própria loucura".4
A resposta à oração de Jesus
"Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo."
Essa oração foi respondida? Tenho certeza de que Jesus recebia absolutamente tudo que pedia. Ao contrário de nós, o Filho sempre conheceu a vontade do Pai, de modo que sempre agradava ao Pai dar tudo que seu amado Filho lhe pedia. Foram perdoados todos por quem Jesus orou. É claro que não quero com isso dizer que todos os envolvidos na crucificação foram perdoados. Muitos morreram em seus pecados, mas aqueles por quem foi feita a oração receberam o perdão.
"Agora encontramo-nos como pecadores aos pés de sua cruz", escreveu Bonhoeffer, "e agora, uma questão de difícil compreensão é solucionada: Jesus Cristo, o inocente, clama enquanto a vingança de Deus sobre os ímpios é cumprida. [...] Aquele que suportou a vingança, somente ele, pode pedir perdão para os ímpios".5 Nesse ponto, a vingança de Deus foi retirada, para que o perdão pudesse vir da mesma pessoa que orou por isso. Na verdade, Jesus estava orando para que sua morte fosse eficaz sobre quem devia ser.
Alguns dos soldados presentes ao pé da cruz foram perdoados. O centurião, que provavelmente era o responsável pelo suplício na cruz, ficou profundamente perturbado com a escuridão, o terremoto e a ruptura do véu do Templo. Posicionando-se contra a opinião popular, exclamou: "Verdadeiramente este era o Filho de Deus!" (Mt 27.54). Espero vê-lo no céu.
Dentre os judeus de Jerusalém que pediram a crucificação — os que diante de Pilatos gritaram: "Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!" (Mt 27.25) — muitos foram perdoados. Talvez queiramos argumentar que eles não ignoravam o que estavam fazendo. Certamente imaginamos que tais pessoas não eram as que Jesus tinha em mente, pois pareciam saber exatamente o que estavam fazendo.
Por incrível que pareça, Pedro acreditava que elas ignoravam a total extensão da própria culpa. Ouçam a pregação: "Vocês mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos [...] Agora, irmãos, eu sei que vocês agiram por ignorância, bem como os seus líderes" (At 3.15,17). Por causa de seu sermão, cerca de 2 mil pessoas aceitaram a Jesus como o Messias. Devemos somar esse número aos 3 mil que responderam à mensagem do dia de Pentecoste, que perfazem 5 mil pessoas (At 4.4). Também lemos que um grande número de sacerdotes confessou a Jesus como Senhor (At 6.7). Tudo isso em resposta a oração de Jesus!
Medite sobre a misericórdia divina! Deus não responsabilizou aqueles criminosos pela morte de seu amado Filho! Vários deles proclamaram: "Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!" (Mt 27.25), significando que assumiriam a responsabilidade pela morte de Jesus pelas gerações futuras. Mas na soberana graça de Deus, o sangue de Cristo foi, em vez disso, aplicado sobre o coração deles! Jim Nance observa que Deus "virou as palavras deles ao contrário, utilizando o sangue de Cristo para a obra mais gloriosa de sua salvação eterna".6
Será que Deus perdoou essas pessoas sem que tivessem pedido perdão? Não! A oração não foi feita a favor dos que não queriam ser perdoados, mas dos que buscaram o perdão. Não se tratava de uma oração genérica, que cobria todos os que participaram da crucificação, e sim de uma oração específica por aqueles que Deus salvaria. Não possuímos nenhuma evidência de que Jesus tenha, alguma vez, orado pelo inundo como um todo, e sim de que ele orou por aqueles que, embora ainda não fizessem parte de sua família, um dia passariam a fazê-lo (Jo 17.9).
Se Jesus tivesse descido da cruz, a oração dele não poderia ter sido respondida. As conversões que ocorreram 2 mil anos atrás foram os "primeiros frutos", os quais anunciam o dia em que Israel será salvo. E as conversões dos gentios também foram as "primícias", prenunciando o dia em que nós, os gentios, seremos recebidos nos céus.
Respostas às nossas dúvidas
Na oração de Jesus, podemos encontrar pelo menos algumas respostas às nossas dúvidas sobre perdão. Existem pecados "imperdoáveis"? A resposta é não, pois, se até mesmo o assassinato do Filho de Deus foi "perdoável" para os que buscaram o perdão, logo, todos os pecados são perdoáveis. No dia 9 de fevereiro de 2001, um submarino americano emergiu e bateu em um pesqueiro japonês, o que resultou no afogamento de nove pessoas. Foi noticiado que os pais de uma das vítimas, um rapaz, declararam: "O que aconteceu foi imperdoável". Sabemos o que queriam dizer, pois às vezes o ser humano sente uma perda de forma tão profunda, que perdoar fica além de sua capacidade. Quando a babá é a responsável pela morte da criança, os pais freqüentemente sentem que lhes é impossível perdoar. Mas o que o homem não pode perdoar, Deus pode. A cruz pode reparar o irreparável.
Um homem que havia estuprado quatro mulheres escreveu-me perguntando se poderia ser perdoado. Meu primeiro impulso foi dizer: "No que depender de mim, não!". Mas a resposta é: "Sim". Ele pode ser perdoado por Deus, ainda que as vítimas que tiveram a vida destruída jamais o perdoem. Ele, bem como uma multidão de outros iguais a ele, deve se contentar com o perdão de Deus quando lhe faltar o perdão do homem. Não existe pecado imperdoável para os que se achegam a Cristo em busca de perdão. Mas para os que o rejeitam, todos os pecados são imperdoáveis.
Clarence Cranford escreveu: "Com essa oração proferida na cruz, Jesus construiu uma ponte de perdão, por onde os torturadores, arrependidos, podiam chegar ao Pai".7 Deus não responsabilizou pelo assassinato de seu precioso Filho, o Senhor da Glória, os que desejavam crer. A oração de Jesus foi respondida, porque a cruz é o próprio Deus nos substituindo. Ele, que não precisava de perdão, morreu por todos, e, não fosse pela morte dele, estaríamos condenados.
Se você é sempre tentado a pensar que Deus não leva a sério o pecado, olhe para o Calvário. Um amigo contou-me como pregou o Evangelho a uma mulher em um avião, que se considerava correta o suficiente para ir ao céu. Quando ele perguntou o que ela faria se as obras que realizava não fossem boas o suficiente, a mulher respondeu: "Eu diria a Deus que ele deveria maneirar".
A colina da Caveira, como era chamado o Calvário, faz-nos lembrar que Deus não tem como "maneirar". A marcante santidade divina exigia um castigo enorme. E ainda que Deus nos perdoasse por causa de Cristo, não seria essa sua função ou obrigação. Ele nos perdoa por misericórdia imerecida para conosco, cuja correta punição seria o inferno. A cruz é a ponte de amor do Redentor. Nela, atravessamos o abismo que nos separa de Deus, que graciosamente providenciou o perdão para os que crêem. Se não entendermos isso, não compreenderemos o Evangelho.
Então, devemos orar pelos que não pedem nosso perdão? Sim, Jesus orou pelos seus inimigos antes que eles se tornassem amigos. Obviamente, desconhecemos a reação daqueles por quem oramos. Não sabemos se irão buscar o perdão de Deus ou o nosso perdão, caso tenham errado conosco. Ainda assim, Jesus ensinou aos seus discípulos: "Orem por aqueles que os perseguem" (Mt 5.44). Essas são as orientações de Cristo para quando nossos inimigos fizerem conosco o que fizeram com ele. Podemos orar como Jesus: "Perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo", mas diferentemente dele, não sabemos como nossa oração será respondida.
Devemos perdoar os que não nos pedem perdão? Visto que Deus não perdoa os que se recusam a lhe pedir perdão, por que deveríamos agir de maneira diferente? Porque, ao conceder o perdão, ainda que não tenha sido pedido, depositamos diante de Deus nosso amargor e entregamos os adversários a ele.
Nos relacionamentos humanos, mesmo quando se pede perdão, a reconciliação jamais é uma certeza. "Se o seu irmão pecar, repreenda-o e, se ele se arrepender, perdoe-lhe. Se pecar contra você sete vezes no dia, e sete vezes voltar a você e disser: 'Estou arrependido', perdoe-lhe" (Lc 17.3,4). O objetivo do perdão é sempre a reconciliação, ou seja, a união de dois corações amargurados. Porém, mesmo quando o perdão não é pedido, a parte caluniada ainda pode optar por "perdoar", desde que a injustiça seja passada para Deus. Caso contrário, a mágoa e a raiva acabam destruindo a alma humana e entristecendo o Espírito Santo. O autor do delito já causou dor suficiente. A única forma de livrar-se de sua contínua influência é "perdoando", ao entregar a questão a Deus.
Até onde sabemos, Timothy McVeigh, o homem que explodiu o prédio em Oklahoma e assassinou 168 pessoas, morreu sem ser perdoado por Deus e pelos homens. Não havia motivo algum para que os parentes das vítimas lhe concedessem o perdão que ele não queria ou pedira. Mesmo assim, entre os sobreviventes, os que foram capazes de "perdoar", confiando em Deus para o "acerto de contas", serão recompensados com saúde e estabilidade emocional. Assim é o espírito de Jesus.
Mas, onde está a justiça? Como optar pelo "perdão" para um homem que merece um destino pior que a morte? Como abrir mão da ira que, com justiça, busca compensação ou vingança? Jesus também nos ajuda nesse ponto. "Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça" (1Pe 2.23). Jesus pode perdoar sem desistir do desejo de justiça. Ele não sentiu necessidade de ajustar as contas naquele momento e entregou seu problema ao Juiz do Universo, aguardando o veredicto final.
Dois mil anos se passaram, e os que maltrataram a Jesus e rejeitaram seu perdão — criminosos — ainda não foram levados à justiça. Mas está chegando o dia em que estarão diante do Pai daquele que foi tão cruelmente martirizado. Jesus contentou-se em aguardar por esse dia, pois não havia hesitação em sua fé na justiça do Pai. Sim, nós também podemos confiar naquele que julga com justiça.
A mulher abandonada pelo marido por causa de uma amante; a adolescente que teve a infância roubada ao sofrer abusos do pai; o irmão que foi passado para trás na herança por um parente inescrupuloso — esses, e outros semelhantes a eles, devem entregar a mágoa a Deus. Devem contentar-se com a certeza de que casos assim ainda serão julgados no verdadeiro e supremo tribunal.
Devemos perdoar todos os que nos pedem perdão? E, mesmo quando duvidamos da sinceridade, podemos acreditar em suas razões? A resposta é sim, pois não podemos ver o coração humano. Jesus disse aos discípulos que eles deveriam estar dispostos a perdoar diversas vezes — "setenta vezes sete" — se quisessem compreender o perdão divino. No entanto — e isto é importante — o perdão deve, mais uma vez, ser distinguido da reconciliação. A mulher pode perdoar o marido adúltero, mas isso não a obriga a acreditar cegamente em seu modo de vida. Para que isso aconteça, será necessário algum tempo, aconselhamento psicológico, prestação de contas etc. Recuperar a confiança de alguém é um processo longo e freqüentemente difícil.
Onde o pecado não é levado a sério, o perdão é recebido de forma leviana. Até mesmo o arrependimento sincero deve ser atualizado pela disciplina e com uma entrega diária a Deus. Toda a nossa vida deve ser caracterizada pelo arrependimento. Nenhum ato de arrependimento em si garante uma vida de obediência a partir do perdão.
O primeiro brado da cruz ecoa a única palavra sem a qual não podemos ser salvos: perdão. Tanto naquela época quanto agora, ele é livremente concedido aos que o recebem humildemente. Afortunadamente, a morte de Jesus fez que a resposta a essa oração se tornasse uma realidade.
PASTOR CHARLES URGNEM
Fonte : Erwin W Lutzer
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